A insustentável leveza do ser (professor)

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Nos últimos dias estive numas jornadas pedagógicas, maioritariamente na companhia de professores. Um também professor, não na plateia mas no plateau disse a certa altura como é fácil praticar a inclusão das crianças que "respiram" a cultura da escola, mas como o é tão difícil para "os outros". Fiquei a pensar se eu terei sido das privilegiadas que levou com a cultura da escola logo por injeção no adn.
É que eu sou filha de uma professora.
Daquelas que como grávidas fizeram dezenas de km de comboio para a escola na aldeia onde foram colocadas, mais uns de bicicleta e outros tantos à boleia para lá chegar. Tanto foi que aprendi a andar nos corredores entre bancos às sacudidelas dos comboios. Fui filha única de uma mãe que teve tantos filhos quanto os que adotou com o coração. Desde aqueles que já têm filhos, até aqueles que ainda no outro dia sairam do seu ninho. A escola era o lugar onde brinquei anos antes de aprender. Conheci muitas escolas porque gostava de estar com ela e com os seus meninos. E é verdade isto da cultura da escola... porque eu ensinava os meus bonecos, porque queria fazer trabalhos de casa nas férias com a minha prima, mesmo não tendo ainda um livro sequer, porque "exigi" (o termo exato aqui seria "fiz birra") aos 5 anos porque queria ir para a escola quando a minha mãe achava que eu tinha direito a mais um ano para brincar. Não me lembro de fazer trabalhos de casa, quando os já tinha, senão a partir do 7o ano e a memória mais antiga é de os estar a fazer ao João Antonio na rua da minha avó, para que ele estivesse despachado mais depressa para irmos brincar. Lá em casa sempre houve livros e histórias infantis, mas não me mandavam ler, mandavam-me apagar a luz e pousar o livro quando já me tinha esticado para além da meia noite... Acho que nunca estudei até ir para a universidade. No secundário lia na véspera de um teste as linhas mais distantes do caderno diário só para confirmar que as distrações com papelinhos e risotas com a minha colega Joana não me tinham impedido de aprender o que tinha de saber para o teste. Foi numa sala de aula da minha mãe que escolhi ser psicóloga, enquanto afiava todos os lápis do pote, sentada ao lado de um menino com a cabeça enterrada nos braços, que estavam debruçados na mesa por recusar fazer o que dizia a ficha de matemática, que depois de cores e desenhos, lá ganhou uns números.
No meu primeiro semestre de Psicologia na Universidade de Coimbra, o Professor Canavarro pediu na primeira aula de Introdução às Ciências Sociais que escrevessemos uma lista de respostas numa folha. Já não me recordo de quase nada, mas jamais me esquecerei que foi a primeira vez que escrevi a caneta que nunca quereria ser professora, mas que sonhava poder ser Ministra da Educação ou ter a minha própria escola. Até o tema da minha tese de mestrado foi um tira teimas a um debate antigo com a minha mãe sobre a ideia da Prontidão Escolar...
E tudo isto me abalroou hoje, porque de facto tive e tenho uma mãe professora que não lhe encontro a bainha para perceber onde começa o direito e termina o avesso.
Porque ser professora faz e sempre fez parte da sua identidade,
porque guarda copinhos de iogurte todo o ano à espera do dia em que possam ser porta velas de prenda para o dia da mãe dos seus meninos,
porque gosta de ir ao Lidl às 5as feiras comprar brinquedos para o Lourenço, para a Clara e para a sala de aula
porque a vi perder domingos a fio de manta nos joelhos a corrigir os testes do inverno,
porque havia sempre uma ficha que se podia fazer melhor que a que estava no livro, recortando daqui e colando ali,
porque a oiço falar das conquistas dos seus meninos com o mesmo orgulho com que me abraçou no altar,
porque se dá ao trabalho todos os períodos de ir ver as notas daqueles que foram seus em algum momento,
porque fomos ao casamento dos seus primeiros alunos e ainda é A professora, mesmo depois de tantas outras,
porque se preocupa que aprendam e cresçam, mesmo quando nem eles próprios acreditam.
Talvez se preocupe demais, talvez seja das antigas, não domina tão bem os quadros interativos nem algumas modernidades, mas deixou-me para sempre esta crença de que é na escola que vale a pena investir, e é ali que a verdadeira mudança pode acontecer. Quero continuar a acreditar nisto, na ideia de que a minha escola, onde cresci, possa vir a ser verdadeiramente inclusiva, colocando o seu braço por cima daqueles que queira ajudar a mudar e não aquela que cria muros para empurrar para fora do quintal aqueles que ainda não são a paisagem que querem mostrar aos vizinhos.
Ficou-me na ideia outra frase... Não devemos esperar até estarmos preparados, começamos todos juntos, como estamos, e vamo-nos preparando. Acrescento eu: porque o destino é o caminho.
Sou filha de professora e sou filha da minha mãe, não sei onde uma começa e a outra acaba.


Inês Vinagre. Com tecnologia do Blogger.

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